quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Mensagem do Arcebispo de Évora
para a Quaresma de 2012
“PRESTAI ATENÇÃO UNS AOS OUTROS” (Heb 10,24)
Quaresma foi instituída pela Igreja com a dupla finalidade de preparar os adultos para o Baptismo e todo o povo cristão para a celebração da solenidade da Páscoa. Tem-se mantido ao longo dos séculos como um tempo especial em que todos os cristãos são convidados a adoptar um estilo de vida em correspondência com os ideais evangélicos, dispondo-se a corrigir deficiências morais, purificar intenções e ampliar a prática das boas obras, pela qual se torna efectiva a lei sublime do amor ao próximo, resumo de toda a mensagem evangélica.
Querendo ajudar os cristãos de todo o mundo a viver este tempo sagrado da Quaresma em sintonia de pensamento e acção, Bento XVI, na peugada dos seus antecessores, todos os anos publica uma mensagem, chamando a atenção de todos os fiéis para alguma das situações mais cruciais do nosso tempo e apontando caminhos para ir ao seu encontro. Este ano, com palavras da Carta aos Hebreus, convida-nos a prestar atenção às pessoas que vivem à nossa volta, independentemente dos laços familiares que a elas nos possam unir. Pois, sendo todos nós membros da grande família humana, todos temos obrigação de prestar atenção uns aos outros. Afinal, todos temos uma origem e um fim comum. A paternidade única de Deus torna-nos a todos irmãos uns dos outros.
Se reflectirmos um pouco, facilmente concluiremos que o alerta do papa vem mesmo a propósito das situações difíceis que se vivem no nosso país, onde, dia a dia, crescem as dificuldades para muitos dos nossos concidadãos, por falta de alguém que lhes preste atenção, quando as dificuldades batem à porta. Tenhamos presentes os casos de pessoas de idade avançada que
vivem sozinhas e chegam mesmo a morrer sem que alguém se tenha dado conta, durante semanas, meses e até anos. Pensemos ainda nas pessoas que se encontram sem recursos económicos para viver com um mínimo de dignidade, ficando reduzidas à desumana condição de miséria e, por vezes, sem um tecto onde se possam abrigar.
Infelizmente, são poucos os que prestam atenção a estes casos extremos. E, ao contrário, é cada vez maior o número dos que vivem centrados nos próprios interesses, enredados na espiral sem fim do consumismo, que funciona como autêntica anestesia espiritual, potenciadora de perniciosos egoísmos e propiciadora de um clima de fria indiferença a toda a espécie de infortúnios que se multiplicam a um ritmo cada vez mais acelerado.
Não poderá ser essa a atitude dos cristãos. Os discípulos de Jesus Cristo devem seguir os passos do seu Mestre. Ora, nunca Jesus voltou as costas ou ignorou os doentes nem os pobres. Antes pelo contrário. Foi ao seu encontro, fixou neles o olhar com amor, tomou-os pela mão com carinho e sarou-os. Não possuindo nós os poderes taumatúrgicos de Jesus não poderemos operar milagres. Mas, pela força do amor que foi derramado nos nossos corações, para nos abrir a mente e o coração, podemos prestar atenção, podemos amar, podemos ajudar, se quisermos. Basta que,
metendo a mão na consciência, sinceramente nos interroguemos sobre o que em concreto podemos fazer a favor dos nossos irmãos mais carenciados e nos decidamos a praticar as boas obras que estão ao nosso alcance.
Cada um de nós é convidado a estender a mão para levantar o caído, ajudar o pobre, consolar o desalentado, fazer companhia ao que vive em solidão, ensinar o ignorante, corrigir o que errou e rezar por todos. A Quaresma há-de ser um tempo sagrado que nos ajuda a viver uma relação autêntica de verdade com Deus, connosco mesmos e com os outros. Pois só nessa tríplice relação se concretiza a plenitude da vida, a que chamamos felicidade.
Com efeito, a Quaresma, instituída para nos ajudar a sermos felizes, convida-nos a prestar atenção aos outros, porque sem eles não podemos alcançar a vida plena. Eis a razão porque a Igreja também instituiu neste tempo a renúncia e a partilha dos bens com os mais carenciados. Este ano, o produto das renúncias voluntárias em tempo de Quaresma será entregue mais uma vez à Caritas Diocesana para que, através dos pólos distribuídos pela Arquidiocese, faça chegar aos que se encontram em dificuldades um sinal de fraternidade cristã e de amor de Deus.
Passada a Páscoa, peço aos Vigários da Vara que, em atitude de colaboração generosa e a exemplo do ano passado, juntem o produto da renúncia das paróquias da Vigararia e o façam chegar à Cúria.
Évora, 7 de Fevereiro de 2012,
Festa das Cinco Chagas do Senhor
+José, Arcebispo de Évora

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Celebração das Vésperas na Festa da Apresentação do Senhor
Homilia do Papa Bento XVI
Basílica Vaticana, 3ª feira, 2 de Fevereiro de 2011
Prezados irmãos e irmãs!
Na festa hodierna contemplamos o Senhor Jesus que Maria e José apresentam no templo «para O oferecer ao Senhor» (Lc 2, 22). Nesta cena evangélica revela-se o mistério do Filho da Virgem, o consagrado do Pai, que veio ao mundo para cumprir fielmente a sua vontade (cf. Hb 10, 5-7). Simeão indica-o como «luz para iluminar as nações» (Lc 2, 32) e anuncia com palavra profética a sua oferta suprema a Deus e a sua vitória final (cf. Lc 2, 32-35). É o encontro dos dois Testamentos, Antigo e Novo. Jesus entra no antigo templo, Ele que é o novo Templo de Deus: vem visitar o seu povo, obedecendo à Lei e inaugurando os tempos últimos da salvação.
É interessante observar de perto este ingresso do Menino Jesus na solenidade do templo, num grande «vaivém» de muitas pessoas, ocupadas com os seus afazeres: os sacerdotes e os levitas com os seus turnos de serviço, os numerosos devotos e peregrinos, desejosos de se encontrar com o Deus santo de Israel. Porém, nenhum deles se dá conta de nada. Jesus é um menino como os outros, filho primogénito de dois pais muito simples. Até os sacerdotes são incapazes de captar os sinais da nova e especial presença do Messias e Salvador. Só dois anciãos, Simeão e Ana, descobrem a grande novidade.
Guiados pelo Espírito Santo, eles encontram nesse Menino o cumprimento da sua longa espera e vigilância. Ambos contemplam a luz de Deus, que vem iluminar o mundo, e o seu olhar profético abre-se ao futuro, como anúncio do Messias: «Lumen ad revelationem gentium!» (Lc 2, 32). Na atitude profética dos dois anciãos está toda a Antiga Aliança que exprime a alegria do encontro com o Redentor. Ao virem o Menino, Simeão e Ana intuem que Ele é precisamente o Esperado.
A Apresentação de Jesus no templo constitui um ícone eloquente da doação total da própria vida por quantos, homens e mulheres, são chamados a reproduzir na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, «os traços característicos de Jesus casto, pobre e obediente» (
Vita consecrata, 1). Por isso, a Festa hodierna foi escolhida pelo Venerável João Paulo II para celebrar o anual Dia da Vida Consagrada. [...]
Gostaria de propor três breves pensamentos para a reflexão nesta Festa. O primeiro: o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo contém o símbolo fundamental da luz que, partindo de Cristo, se irradia sobre Maria e José, sobre Simeão e Ana e, através deles, sobre todos. Os Padres da Igreja uniram esta irradiação ao caminho espiritual. A vida consagrada exprime este caminho de modo especial como «filocalia», amor pela beleza divina, reflexo da bondade de Deus (cf. ibid., 19). No rosto de Cristo resplandece a luz de tal beleza. «A Igreja contempla o rosto transfigurado de Cristo, para se confirmar na fé e não correr o risco de perder ao ver o seu rosto desfigurado na Cruz... ela é a Esposa na presença do Esposo, que participa do seu mistério, envolvida pela sua luz, [que] atinge todos os seus filhos... Mas uma singular experiência dessa luz que dimana do Verbo encarnado é feita, sem dúvida, pelos que são chamados à vida consagrada. Na verdade, a profissão dos conselhos evangélicos coloca-os como sinal e profecia para a comunidade dos irmãos e para o mundo» (Ibid., 15).
Em segundo lugar, o ícone evangélico manifesta a profecia, dom do Espírito Santo. Contemplando o Menino Jesus, Simeão e Ana vislumbram o seu destino de morte e ressurreição para a salvação de todos os povos e anunciam tal mistério como salvação universal. A vida consagrada é chamada a tal testemunho profético, ligado à sua dupla atitude contemplativa e activa. De facto, aos consagrados e consagradas é dado manifestar o primado de Deus, a paixão pelo Evangelho praticado como forma de vida e anunciado aos pobres e aos últimos da terra. «Em virtude desta primazia, nada pode ser preferido ao amor pessoal por Cristo e pelos pobres, nos quais Ele vive. A verdadeira profecia nasce de Deus, da amizade com Ele, da escuta diligente da sua Palavra nas diversas circunstâncias da história» (Ibid., 84). Deste modo a vida consagrada, na sua vivência diária pelos caminhos da humanidade, manifesta o Evangelho e o Reino já presente e concreto.
Em terceiro lugar, o ícone evangélico da Apresentação de Jesus no templo expressa a sabedoria de Simeão e Ana, a sabedoria de uma vida dedicada totalmente à busca do rosto de Deus, dos seus sinais, da sua vontade; uma vida dedicada à escuta e ao anúncio da sua Palavra. «“Faciem tuam, Domine, requiram”: busco a vossa face, ó Senhor (Sl 26, 8)... A vida consagrada é no mundo e na Igreja sinal visível desta busca do rosto do Senhor e dos caminhos que a Ele conduzem (cf. Jo 14, 8)... A pessoa consagrada testemunha portanto o empenho alegre e diligente da busca assídua e sábia da vontade divina» (cf. Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução
O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam Domine requiram [2008], 1).
Caros irmãos e irmãs, sede ouvintes assíduos da Palavra, porque toda a sabedoria de vida nasce da Palavra do Senhor! Sede perscrutadores da Palavra através da lectio divina, porque a vida consagrada «nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida». Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é uma “exegese” viva da Palavra de Deus. O Espírito Santo, por cuja virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina a Palavra de Deus, com nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão, dando origem a itinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica» (
Verbum Domini, 83).
Hoje vivemos, sobretudo nas sociedades mais avançadas, uma condição muitas vezes marcada por uma pluralidade radical, por uma marginalização progressiva da religião da esfera pública, de um relativismo que atinge os valores fundamentais. Isto exige que o nosso testemunho cristão
seja luminoso e coerente, e que o nosso esforço educativo seja cada vez mais atento e generoso. A vossa obra apostólica, em particular, dilectos irmãos e irmãs, se torne empenho de vida que acede com paixão perseverante à Sabedoria como verdade e beleza, «esplendor da verdade». Sabei orientar com a sabedoria da vossa vida, e com a confiança nas possibilidades inesgotáveis da verdadeira educação, a inteligência e o coração dos homens e das mulheres do nosso tempo em relação à «vida boa do Evangelho».
Neste momento, dirijo o meu pensamento com carinho especial a todos os consagrados e consagradas, em todas as partes da terra,
enquanto vos confio à Bem-Aventurada Virgem Maria:
Ó Maria, Mãe da Igreja,
confio-te toda a vida consacrada,
para que lhe obtenhas a plenitude da luz divina:
viva na escuta da Palavra de Deus,
na humildade da sequela de Jesus, teu Filho e nosso Senhor,
no acolhimento da visita do Espírito Santo,
na alegria diária do magnificat,
a fim de que a Igreja seja edificada pela santidade de vida
destes teus filhos e filhas,
no mandamento do amor. Amém!